Passeio na Aclimação dos 50

19/12/2000 | Wladir Dupont
Fonte: Jornal da Tarde
http://www.jt.estadao.com.br/editorias/2000/12/19/var194.html



Ilu 5kb Em 1954, o bairro da Aclimação, em São Paulo, era mais ou menos como o Morumbi hoje: região de gente fina, bem de vida, refestelada em mansões ao longo da então aristocrática Avenida Aclimação ou em ruas transversais de nomes estranhos para o garoto de classe média baixa vindo do Alto do Pari:

Safira, Esmeralda, Rubi.
Graças ao jardim do mesmo nome, o bairro, vizinho do modesto mas glorioso Cambuci, tinha um ar bucólico, tranqüilo, não poluído por bares, pizzarias ou lojas.

Ilu 5kb O próprio jardim, ainda não urbanizado, permitia caminhadas serenas pelas manhãs, contatos furtivos à noite entre namoradinhos, sem perigo de serem incomodados por policiais desocupados.
Ilu 5kb Quando muito havia uma padaria aqui e ali, um único cinema, o Clímax, e nem sinal ainda do Colégio Anglo-Latino, que mais tarde, da Rua Muniz de Souza para todos os lados, encheria a região de gritos jovens, peruas escolares, e invadiria ruas contíguas, como a pequena Oscar Guanabarino. O gerente do Clímax as vezes fazia as honras da casa para o governador de então, o engenheiro Lucas Nogueira Garcez, morador do bairro, na praça Marechal Polidoro, que num sábado qualquer pegava um cineminha com a mulher.

Tudo muito civilizado, discreto, nem sombra de seguranças truculentos ou ruídos de walkie-talkies. Os privilegiados da Avenida Aclimação rodavam em carrões importados, no caso dos Pereira Mendes, por exemplo, um esguio Packard preto dirigido por um negro sorridente e educado, no banco de trás o eminente engenheiro dr. Persio Pereira Mendes, Ilu 5kb construtor de obras importantes da cidade, como os cines Ipiranga e Art-Palácio e os quartéis do Exército em Quitaúna. Primos ricos da família da minha mãe, os Pereira Mendes mais tarde mudariam para outro casarão, na Rua Joaquim Eugênio de Lima, nos Jardins.

Nós, do lado mais modesto do bairro, já na fronteira com o Cambuci, andávamos mesmo era de ônibus, um deles elétrico, novidade na época, o Machado de Assis, que saía da Praça João Mendes e depois da Praça da República, ponto final já quase em Vila Mariana. Havia outro ônibus, este com ponto inicial na Muniz de Souza e parada final na Praça da Sé. Viagem de ida e volta ou pela Conselheiro Furtado ou pela Galvão Bueno, já na Liberdade, em território japonês, com seus restaurantes e cinemas, um deles o Niterói, religiosamente freqüentado pelo crítico do Estadão da época, Rubem Biáfora, apaixonado especialista em Kurosawa, Oshima, Ozu.

Como sempre faço quando vou ao Brasil, há pouco visitei a Aclimação e, como sempre acontece nesses casos, saí triste com o que vi e restou do bairro da primeira juventude.

"Quem manda querer viver no passado?", repreendeu-me a filha jovem.